sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

De Hércules à Pequena Sereia. Poema pós homérico.

De Hércules à Pequena Sereia. Poema pós homérico.
Sempre à procura da Ítaca. Da minha Ítaca; que também será vossa, se navegardes os mesmos caminhos venosos da serenidade sentida e partilhada. A cada um a sua Ítaca. Caminhos de medo na aresta do presente futuro. O fio da navalha, aqui transfigurado num simples madeiro, produto de algum espúrio naufrágio. Náufrago e esperança vestindo a mesma cumplicidade, unidos ao sabor dos elementos, à procura da Ítaca. À tona. Aerobicamente Com todos os receptores dérmicos atentos, informativos, impermeáveis à mistificação. Prouvera ao Céu que à condição humana fosse recuperado o estatuto de anfíbio, a fazer jus à teoria da Senhora Elaine Morgan: a nossa origem reporta-se ao estado aquático. Talvez a premonição de Tales de Mileto. E lá no fundo dos mares, onde vive o velho Proteu; aproveitar tudo o que de empolgante, fantástico, maravilhoso, tranquilo, existe nessas profundezas oceânicas! Ali a meio do Atlântico, onde alguns querem encontrar a perdida Atlântida, na vizinhança dos Açores, pela proximidade, a cordilheira que se aquece e aquece, e deslumbra pela majestosidade singular. A água é o símbolo da Vida. Suporta-a e protege-a. Lava os excessos da alma, do corpo e da natureza. Purifica-nos em purgas. Leva-nos a viajar. Mas também nos julga; levando-nos a escorregar ou a meter o pé… na poça. O subaquático é surpreendente, mágico, maravilhoso até narcótico. Mas é inacessível, por enquanto, pelo menos aos de vulgar condição. Por isso a condição humana é condicionada e condicionante. Os monstros desapareceram. Os seres sobrenaturais desapareceram. Os deuses desapareceram. As fábulas, as fantasias, os fantasmas já não assustam, não incomodam, e não prendem a atenção. Abunda o virtual. As fulgurações vão perdendo o brilho. A mitologia saiu do imaginário. Os números ganharam. Mesmo os Arquétipos são só já meros e curiosos referenciais históricos. Tudo se resume à cibertecnologia; ao mundo das “pall station”. Por isso o grande desafio, o tudo ou nada, “make or brake”, o último desafio é viajar, é descobrir o centro do vulcão. É a terapia génica. Mas, para mim! Para mim a Ítaca! Para alguns “ma blast”; para outros “iokáli”; para outros, ainda, o esconderijo sagrado; a fonte das virtudes, o elixir da longa vida, a pedra filosofal. Para mim, a Ítaca. É uma voz que me toca. Nem sempre sei donde vem, se do remanso de um rio, se da calmaria de um lago, se da inspiração do mar, se da transcendência do cosmos, se da doçura dum sorriso, se da carícia da aragem, se do aroma dos espaços verdes, se do todo fragrante da natureza, se dum vinho retemperante, se do calor da amizade, se da felicidade sentida. Sei, isso sim, que sempre que a oportunidade me oferece a imagem da Ítaca, apaixono-me de imediato. Inevitavelmente Naturalmente. Visceralmente. Irresistivelmente. Acicata-me a militância poética. Dias e dias em estado narcótico, guardo-a no subconsciente. Noites e noites de intenso labor onírico.
Ontem a Ítaca estava lá. Esteve lá. Ouvi, também, a sua voz ecoar, sonora e firme, dominando o murmúrio do mar!
Ao tempo esbarrei com ela, de manhã, à tarde, à noite, ao dobrar da esquina.
Corri a apanhá-la na última estação da tarde.
Faziam-se anunciar os dias míopes do inverno, vestidos de um sol de riso magoado.
Restava pouco tempo de luz crepuscular para que o grande braseiro cumprisse o ritual e circadiano mergulho no horizonte distante.
Lá, onde já não tem lugar o branco marulhar da ressaca das águas oceânicas, e se define uma linha onde se distinguem silhuetas de navios que deixam escapar pequenas nuvens de fumo que formam figuras de corações engrinaldados.
De lá partiu Ulisses em jangada miserável, qual sombra daquele belo barco à vela, que dez anos o levara à conquista de Tróia. Que uma ânfora guarda, ciosa, em recordação testemunhal.
De lá partiu no derradeiro alvorecer, de regresso, rumo à Ítaca.
Iria abraçar de novo Penélope, que no gineceu se envolvia por um murmúrio de ais contidos e de desejos de amor por Ulisses, sem se deixar esmorecer, dando-se a sublimar um arrastado sofrer e penoso cansaço. Um sentir gozado, que só os femininos e delicados corações, quando querem, o conseguem.
Lá vi o redondo lumaréu afundar-se em lento e pungente adeus, acenando com gesto provocador e insinuante as paixões da noite, que a lua irá incendiar.
Hércules, o farol, cumpria a sua infatigável e oportuna missão de assegurar em rodopio cadenciado o rosto da noite. Na sua acção precisa e humanitária piscava com frequência regular e exacta aquele olhito cintilante de cristal de neve, despertando atenção a todo aquele que lhe estivesse ao alcance
Queria vê-la e saboreá-la por mais tempo, até ao limiar da imagem vaga. No limiar do etéreo e do distante.
Queria que efémera, evanescente e ligeira se transformasse em coisa de constância e substância.
Fernando ajuda-me! Empresta-me por breves instantes a tua “Ode Marítima”, para que este paquete leve um rumo ponteiro. Já que, desafio os deuses ou os exegetas da tua obra, seria esta navegação para ti mais que inebriante. Tu, que do Cais das Colunas olhaste esse rio, o mesmo que acolheu Ulisses, e cismaste indeterminadamente com viagens marítimas na imensidade imensa do mar imenso, com a alma ébria a transbordar de mar. Que, ouvias o assobio dos ventos nas gáveas altas, procurando mitigar a penosa violência de um pensamento filosófico e irrequieto, que te flagelava incessantemente os neurónios e te roía as entranhas com angústias. Aquietado, só, pelo deslizar sereno e elegante de um qualquer paquete, que o êxtase te levava à confissão:”...um navio será sempre belo, só porque é um navio”. Obrigado Fernando. Até sempre!
Naquela estadia, e nesta estadia, como venho segredando, senti a minha nau levar-me à Ítaca. Não sei se alguém mais a sentiu ou a tocou. A minha condição de forasteiro tornara-me mais perspicaz, mais sensível e desperto à descoberta da sua presença. Contrastando vivamente com quem já lá chegou, ou de lá nunca saiu. Tanta paixão, eterna paixão, renovada paixão. Tantas paixões, repetidas paixões, todas elas paixões. Mesmo assim poucas, mas verdadeiras paixões. Sentimento que me esforço por não banalizar, hipotecar ou passar procuração a um deus menor. Reclamo-lhe um Deus maior, único, absoluto.
Resta-me o regresso à Ítaca. É Ela o meu mito, a minha fé, o meu destino, o meu referencial. O símbolo, o racional. É tudo. É a Ítaca. A minha Ítaca. Está lá. A Atlântida não está. É ficção. “Descobrem-se Atlântidas no fundo do prato enquanto servimos a sopa de mãos erguidas aos deuses caducos”. Só a Ítaca existe. De lá parti à aventura. Sem destino. Sem o destino. É à Ítaca que quero regressar. Talvez náufrago, talvez sozinho, talvez indigente, talvez debilitado, mas chegarei à Ítaca. Um dia chegarei à minha Ítaca! Chegarei, algum dia, à Ítaca?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tempo de castanhas

Larry King, entrincheirado nos seus óculos “sextavados”, esticava os suspensórios e fazia peito, comentando em Galego, recentemente assimilado, ao seu interlocutor Camilo Cela, este, sim, galego:
- Daste conta que tudo isto cambiou, mozo? Ao que Cela respondeu:
- Desde o inbento da Roda, munta cousa cambiou, mas hai algûas cousas que non. Mas tudo bai ibluindo, tudo bai ibluindo!

«No dia de São Martinho, lume, castanhas e vinho.»
O mês de Novembro tem, como as restantes onze divisões do Calendário Gregoriano, os seus encantos, as suas especificidades, os seus rituais, as suas lembranças: as castanhas, o São Martinho, a marcha para o 1º de Dezembro. O tempo, como a vida, não para, ainda que se renove a cada ciclo. É neste andar em frente que as gerações e os hábitos vão criando pontos de referência: ora de progresso, ora de retrocesso, sem que, todavia, algo fique como dantes.
Por aqui e por ali, encontramos gerações em conflito…sempre na senda da reedição da insanável e falsa querela dos «antigos» e dos «modernos».
Coisas tão simples e tão naturais, tantas vezes tratadas com escárnio e mal dizer, ao invés de encaradas com toda a singeleza, sem apupos nem tabus, até porque o proibido desafia os fornicoques.
E, aos «provectos», vão ficando para trás alguns prazeres e alguns hábitos, que, por razões de trajectória racional, prescreveram, ou por essas vias vão, a caminho de, em breve, lhes ser outorgado o estatuto de peças de museu. Outros comportamentos serão digeridos na voragem do tempo, ou postos ao jeito de serem cobertos pela poeira que nele paira.
Nesta onda de arrumação, é incontornável o encontro com o intemporal, com o risível, com o catártico, com o fazedor de lágrimas de alegria, a fio, o flato: Fautor do bom humor, às carradas, que faz chorar as pedras da calçada e ressuscita mortos de riso; e os vivos, de olhos esbugalhados e papudos que nem de chamorro, rendidos incondicionalmente à hilaridade, até dizer: «basta, que me matam...de riso!»
Pum! O grande pedagogo de "maus fígados"; o bálsamo das alegrias tristes. Solta o tigre, Artur!...
Peido! O instrumento de todas as afinações e todos os timbres; o som para todos os gostos (e alguns desgostos, sempre e quando esteja patente a bipolaridade Norte-Sul, ou haja elementos afectos a tribos diferentes, nomeadamente: Gregos-Troianos; Gauleses-Romanos, Israelitas-Palestinianos, etc!).
Traque! "Virtuosi" e acrobata, que domina prodigiosamente todas as escalas.
Bufa! A grande animadora das noites, mais ou menos opíparas, mais ou menos a seco.
A farpa na temática oportuna, iconoclasta: ponto final na conversa.
O rater que marca presença, não obstante meteórica, que deixa selos e rastos indeléveis de alegria -..."para outros tristezas são: o carteiro não tem culpa"...-.
Estrelote, o grande companheiro de viagens.
Um deixar ir, um apelo e uma expressão à interioridade, cantada com o coração... de sonoridade não brilhante, não dolente; por vezes estridente; um cântico da verdade e do sentimento; capaz de chamar a atenção, ainda que de sonoridade pobre, indefinida, de mensagem oboé, ou de instrumento de palheta dupla, fagote ou tuba, para que a mensagem passe (saia...). O facto de se apelar à necessidade de afinação e moderação na afinação daquele instrumento (oboé) compreende-se, pois se trata de um instrumento que aflora "as soleiras da melodia e da música, ainda que de uma forma hesitante e elementar".
Petardo, a balada para todo o cruzeiro. Desde Atenas, em arrogante diálogo com Aristóteles em plena Acrópole, até às Américas, onde os aprendizes de Lucky Luke se rendiam contemplativos, ao fumo que se esgueirava displicentemente do cano do revólver, exultando com espanto, em uníssono de jogral: «Beans!»
Trombeta de entoação em modo Lídio ou Jónio, causadora de alguma preocupação, no próprio e no meio envolvente, mas prazenteira.
Peidão – como afirma o nosso amigo João radicado no Brasil -, mais que quadro de honra, é flato que subiu ao pódio!...

Ouçam, ainda não é tempo de tapar o nariz e remexer o pote: tempo sim para algumas referências e contribuições culturais, em muito casos, tributos à história e à arte, pelo menos pelos vultos que dão rosto à expressão corporal e fisiológica.
Quem cortou o queijo? – Uma história cultural do peido, que o livro de Jim Dawson, Ten Speed Press, 1999, nos presenteia e que vale a pena recomendar a todo o praticante e a todo o ignorante, ou quem procure actualizações ou mestrado no estado da arte.
A Europa, como que em devoção à sua história turbulenta, foi-lhe palco de inúmeras exibições.
Por cá, Jorge Nuno, protege-se com velas (que acende em alguns eventos) e requintado incenso para modificar e suavizar o som e ambiente pós prandial: um toque de mestre.
O "coronel", por um triz que não abatia, sem dó nem piedade, o pobre cão que se acoitava debaixo da mesa enquanto o ilustre castrense se permitia, ao compasso de opulento jantar, a convite do sargento beneficiário de algumas graças, libertar frequentes e sonoras ventosidades, compaginadas com a qualidade e o bem-estar daquele momento de convívio.
Lastimo, consciente de que nem tudo são rosas, que aos praticantes Anglo-saxões, que são os maiores «Petómanos» – leia-se «peidões» - do francês «pethomme» - à superfície do nosso planeta, seguidos dos ianquis, não se lhes tenha sido concedida a oportunidade nobiliárquica de "Sir". «Cá se fazem, cá se cagam!» - em usufruto do benefício da circunstância de o flato não constituir crime que esteja tipificado em qualquer dos Ordenamentos Jurídicos do Mundo Civilizado, conhecidos. Convenhamos que aqui, como infelizmente em qualquer sociedade, também há riso cínico e atmosfera de podridão; enfim se a carne não é boa não podemos esperar milagres que da alma venham.
E se houver combate, que seja de luva branca, com a arbitragem de Ramalho Ortigão! Como não se trata de duelo, aliás, proibido por lei, e bem, recorrerei ao simbolismo cáustico e vivo, com que o lembrado escritor fulminava, à época, a mentalidade dos contemporâneos... «Quem primeiro se queixa, é o que larga a ameixa!»

A Península Ibérica está, também, recheada de acontecimentos de flatulência, e escatologia, com vísceras ó tio ó tio, que, de tantos, ficar-lhe-á reservado espaço e tempo para uma próxima oportunidade. Tantos e tão talentosos «Pethommes» mereciam uma antologia condigna.
Fica, por fim, a referência breve a um mauzão horrível, que estraga esta fotografia: Hitler! Reza a história, que este condutor de camelos, conhecido por Adolfo, tinha problemas com as vísceras, por soltar gases que nem vulcões, que o incomodavam e irritavam até às campânulas da morte, bem como às pessoas em seu redor; nem a Gestapo aguentava muito tempo no bunker, onde entrava com os panhuelos ensopados de água de colónia para mitigar o sacrifício - testemunharam pessoas muito ligadas ao ditador. Só Eva suportava, ao que parece com prazer, a atmosfera bucólica do bunker. Supõe-se que tenham sido os iogurtes de testículos de touro, entre outros complexos vitamínicos que o Fhurer emborcava para apurar a sua (dele) raça, que lhe provocassem alegrias tristes, mesmo cólicas, no canal do palóio, tão fortes que dava berros que nem jumenta no cio!...
Nem mesmo o esconjuro "Vade retro Satanás prás pedras cagadeiras!", do Padre Fontes, e a queimada redentora de noite de bruxas seriam capazes de aplacar a ira das entranhas do afilhado da Krupps, elevando o salmo: ..."Sapos e bruxas, mouchos e crujas, demonhos, trasgos e dianhos, spíritos das eneboadas beigas... ". Casa de Satanás e Belzebu, fogo dos cadáveres ardentes. Corpos mutilados de indescentes, Peidos de cus infernais. Bramido do mar bravo"...

O que lá vai, lá vai!...

E há sempre alguém que pergunta: e o "bean" de Fafe?, e o "bean" de Madrid?..da Póvoa de Varzim?..., da Acrópole?..., de Verin?..., do Liceu?..., do Coliseu?..., do teatro?..., do cinema?..., do matadouro, do carocha do Lacerda, do...etc, etc, etc...
Prometo dar-vos um exemplar... de obra acabada.
E bom; quem segue, segue; quem está, está!
Afinal de que tratamos?! Tão só render homenagem a Dali, o Salvador!
"Pet'homme" assumido apesar de, injustamente, ser só conhecido na pintura onde chegou à categoria de “bomba”, será provavelmente o maior vulto, pós Renascença, no conhecimento e divulgação de tal fenómeno.
Possuidor de uma vasta e invejável biblioteca do foro, dedicou-se com toda a honestidade, isenção, respeito, lealdade e entusiasmo à "Pet'ologie". Tratou a flatulência por tu, sem tabus, sem escárnio e maldizer, sem ódio, sem ostracismo: como deve de ser. É pois, da mais elementar justiça, para além de tão alto galardão, estar entre os mais distintos da confraria, pela entrega apaixonada e materialmente desinteressada, a tão social evento.
A sua reputação chegou, e repousa hoje no museu em Palermo, criado expressamente para albergar todo o espólio e história do ensino de bem utilizar a técnica flatológica em sociedade. Aí tem guarida - como merecida recompensa - quem, tanto e tão alto deu...o seu melhor, contribuindo com pompa e circunstancia para o estado da arte.
E aqui também cabe perguntar: aquele (a) que nunca se deixou ir, que atire a primeira pedra!